sábado, 15 de setembro de 2012

O Tambor

Mestres do Saber

A sabedoria popular sempre foi uma ferramenta para a evolução da humanidade. Líderes de todas as etnias sempre deram um valor especial a ela, orientando-se pelos seus sábios.
Um mestre sempre tem seu seguidor para a continuidade de suas práticas, seduzindo as comunidades por onde passa através da oralidade. Todo o mestre tem esta tarefa a cumprir, com precisas verdades de suas vivências ou transmissões do conhecimento.
Uma informação, por muitas vezes, não se pode mudar nenhum ponto, como por exemplo: para a localização de um ponto d’água ou como obtê-la no deserto do Saara. O erro desta orientação pode colocar em risco todo um grupo que precisa desta orientação para fazer sua jornada.
No Brasil, há Mestres dos mais diversos segmentos da tradição negra, tendo informações necessárias para manter viva a identidade de seus ancestrais, contando historias de seu tempo através da musica, da sua religiosidade e da educação familiar, princípios da vida, a relação com o meio ambiente, e as diversas formas de luta e dança na resistência de um povo guerreiro que se manteve com dignidade na luta pela sua liberdade.
Quando o saber não é transmitido, nossos jovens perdem sua identidade, desrespeitando e perdendo a noção de valores de seus ancestrais. A transmissão através da palavra torna a pessoa responsável pela sua divulgação, conforme a sua intenção. Nos terreiros, as yalorixás, na capoeira dos malandros e nos sambas, os mestres e guardiões da historia oral.
Atualmente surge uma nova versão do Mestre do conhecimento, que busca dos sábios o máximo de informação possível, medindo, comparando sua importância, escrevendo teses e pensamentos e o saber muitas vezes é reciclado para um dia ser reaproveitado ou registrado como lembrança do passado. A autoria do conhecimento limita a sua evolução e a liberdade, não permitindo dialogo e crítica, com propostas de evolução do pensamento original.
Os mestres, enquanto tradição educacional são descartados, perdendo sua importância. A cultura supervalorizada, distanciada de sua origem e vendida em nível de exportação, dando uma roupagem a expressão “Cultura Brasileira”, e os verdadeiros donos, os negros, são esquecidos e abandonados. Alguns poucos mestres com coragem acabam saindo do país, na sua busca de auto sustentação, com o instrumento de transformação e solidificação da humanidade. O que, na verdade, dá status nacional nos meios de comunicação e expressão desta nova cultura de massa, também tem que ter um rosto ou perfil que agrade o publico alvo, porém torna-os cada vez mais distantes da raiz.
Devido a esta realidade é cada vez mais importante resgatarmos nossa verdadeira identidade negra, utilizando as ferramentas que Acredito que o Tambor é o maior dicionário implícito de eventos étnicos, ligado diretamente ao coletivo imaginário destas expressões culturais. É a ferramenta chave para desvendarmos ações e comportamentos de cada grupo, pois assim como o seu formato demarca sua procedência, seu ritmo é construído através de vocábulos, dando-lhe vida própria.
O tambor de dois lados, de nome Inhã (Angola/Congo) ou Batacoto (Nigéria), define sua função com o uso de uma das extremidades:
- o lado do tambor, de boca maior, relacionado com o mundo real, material;
- o lado do tambor, de boca menor, relacionado com o mundo espiritual, imaginário.       
Reforçando a interpretação africana da Criação através dos quatro elementos que, multiplicados entre si, dão origem a outro elemento vital, e ainda utilizando o exemplo do tambor para dar uma explicação a tais fatos, posso dizer que a união de potencialidades diferentes (o couro da pele, animal e o tronco de árvore, vegetal), possibilita que uma terceira potencialidade se manifeste através do som, ocorrendo um diálogo entre o mundo real e o imaginário.
O tambor é um instrumento de seriedade e de respeito, utilizado como forma de comunicação, que faz despertar sensações de prazer, podendo nos remeter à nossa ancestralidade, sendo assim, o imaginário, por não ter uma consistência física, não quer dizer que não exista, influenciando comportamento sócio antropológicos dos envolvidos. No entanto, essa representação do imaginário, está explícita em símbolos e sinais comuns a estes grupos, expressando informações sobre os indivíduos e como eles lidam com o meio ambiente.
Símbolos fazem parte do cosmovisão africana, permitindo que se estabeleça um diálogo através da interpretação de seus costumes e tradições. A simetria dos símbolos pode transmitir imagens de saúde, beleza, etnia e religião.
Alguns rituais religiosos utilizam formas geométricas simples em seus iniciados como atributo de proteção e espiritualidade. Esta relação nos é comprovada na troca de informações com outros grupos sociais simples que assim afirmam sua identidade étnica. Informações implícitas, representadas através de símbolos que, por vezes, podem ter duplo sentido, conforme a circunstância.
O homem constrói valores e comportamentos próprios, determinando o que seria o bem e o mal a partir de si mesmo. Depois acredita tanto neles que os transforma numa verdade que sempre existiu. Esses valores só existem para quem acredita nessas ideias, se tornando seguidor de seu imaginário, originando códigos de ética e visões de mundo.
Com isso, nós podemos concluir que o tambor é a ferramenta utilizada na socialização de costumes e tradições dos grupos étnicos de origem africana e esta forma de ensinamento ''informal'' é utilizada para transmitir valores étnicos e sociais por gerações.
Podemos dizer que o tambor está para o negro assim como a bíblia está para o pastor e o arco e a flecha para o índio. Por este motivo, é um objeto sagrado de espiritualidade e sobrevivência de sua espécie.

Texto extraído do livro "Tradição - A arte de viver de um povo", de Mestre Renato Capoeira.


Nenhum comentário:

Postar um comentário